quarta-feira, 30 de setembro de 2009

não, não diga nada
na noite há sempre uma levada
que pende 
lenta
o chegar
da imensidão


toda madrugada
senta o vento ao pé da estrada
que escura 
aquieta
o pulsar
da solidão


roda estrelada,
num céu de sonho
a lua alada,
no azul 
espera
o recomeço
do amanhã

terça-feira, 29 de setembro de 2009

um anjo
dos caracóis à pele negra
inundando o quadro
com seu riso
exagerado
desenfreado no jardim


ele sabe que ando
a me lançar procurando
inspiração

as flores preenchem o chão das cores
continuando o bordado
profundo da moça
e do amor


um anjo
veio pequeno
sem mais fazer
do ouvido cais

despido

ficou de leve
em tudo (que se
tem sem ser
preciso)
dos caracóis às conchas do seu vestido azul
entre as escadas
ao chegar, completamente alcoolizado, pensei nela. pensei que nunca havíamos nos visto, embora trocado poucas sobre o vento. da última vez falamos sobre as metáforas demasiadas, uma simples forma (nossa) de fugir da realidade. enfim, após horas em pé, sentei-me e vi o bilhete:

amarrei cinco sorrisos e sai em disparada. parei no meio do caminho. fui a uma casa proxima perto. com peixes de garrafa pet e violas elétricas penduradas na piscina. meu olhar ficou mais longo. guardo então o pequeno encontro amarelo para a plástica de colagens e chuvas de guarda-chuvas. te tenho.

s. g.


ri.

nunca havíamos nos tido antes. nem em versos. aí então de súbito me veio uma memória e arrepiei os pêlos dos braços. naquele momento lembrei que foi nela que pensei quando entrei em casa, na escuridão. havíamos ido beber, julio y yo, no bar do neves, e ali nas redondezas senti teus ares, senti uma dor intensa que não durava mais que seu sorriso desconcertante - mas não entendi. acho que ambos concordaríamos que o não entendimento era o mais conveniente por agora, por ali, pelo bar do neves, pelo o que não aconteceu naquele dia que nos olhamos na praça de universidade. eu acho que nunca entendi. sobre suas palavras, creio não ter muito o que comentar. elas falam por si. um dia, quem sabe, nos olhares nos olhos novamente.

escrevi no papel branco

- carta resposta para s.g.

ao pouco que falamos; dádiva. vi teus olhos brilharem nalgumas noites perdidas entre um continente e outro. te imaginei em carros sem fim, lotados de gente e esperanças rotas. nesses sonhos vi tua silhueta deslocada em cada cinto de segurança, vi tua anca, vi tua sombra, vi teu penar, vi tua alma inteira perdida na redenção de teu próprio corpo diante do descanso mínimo. acordo sem acreditar a vida ser mais que isso. sinto o tempo passar; estamos velhos. te carrego.

(então guardei a folha na gaveta e adormeci).

domingo, 27 de setembro de 2009



aquarela do Dahmer

bebia sonhos caninos com café e ternura de quem tem para onde voltar.
andava sem camisa desde que seus braços amordaçados ficaram curtos demais para escolher sua cor preferida.
sua extensão de pele amarela colonizava tudo que os outros nele reconheciam.
falava de números ímpares e cigarros sujos de azuis com propriedade de jardineiro químico.
não saía de si nem pra tomar banho de sol.
[era o mágico da cidade das 13 pessoas]

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

From...

Nunca o havia visto em outro cenário que não aquele mesmo do qual ele parecia nunca ter saído. O lugar onde o conheci.

Ele tinha o cheiro daquelas paredes, a cor liquidificada da casa inteira, a moldura lusco-fusco contempladora das seis da manhã pela janela. Meu temor era vê-lo fora de lá e não reconhecê-lo. Será que ele vai deixando um rastro de cores por onde vai passando, e, quanto mais se distancia, vai se tornando pardo, cinza, até virar mais uma estátua da cidade?

Imaginei-o subindo a ladeira, carregando vasos coloridos para as suas plantas, com um raio de sol atravessando uma mecha-cacho do seu cabelo loiro. Um galego gingado. Com aquele ar de esperteza leve e firmeza precisa.

pajarillo

primeira vez que chegou, um amigo o trouxe. Depois ele aparecia vez ou outra. Lembro dele deitado na madeira do chão com os cotovelos apoiados no piso pra escutar o português bonito dos desenhos animados. Era esculpido em fumaça. A gente passava por ele, tropeçava nele, falava sobre ele e o brilho de seu menino-dos-olhos não se apagava nem se movia.

As vezes vestia uma blusa curta de paetês velhos e saía pra comprar a mistura do dia. Mal sabendo que era ele quem misturava os olhares, latejando o dia dos transeuntes no caminho da quitanda.

Chorava, mais chorava que ria. Até pelo irmão estúpido e pela mãe puta que deixara como visão afastada no tracejado entre sua casa, nos confins de Pasto, e a carretera que dava pra escola. Kilometricamente distante. Minuciosamente esquecida. Ela sempre o mandava pra rua como se o cuspisse pro mundo, mas ele voltava por detrás da poeira levantada depois que acabava a última aula. Diz que foi numa poeira dessa que um dia ele apareceu aqui no cerrado.

Chorava, mais chorava que ria. E me contava que jogou os pés no mundo, mas que sonhava em ser modelo. Contudo sabia, era da laia dos andejos que vão pra onde aponta o nariz quando acordam. Feito un pajarillo sensível, chorava os corpos que pelo dele passavam.

Um dia pintou os olhos com um cajal azul, mais forte que de costume. A linha nos olhos fechava seu corpo, feito patuá, pro mal que vinha de fora. Era uma fortaleza de ir à guerra que era sua rua de cada dia.

Nem esperou o cuzcuz pro desayuno. Olhou pra mim, bateu a porta e não disse palavra sobre o doce estampado na almofada da sala.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

[a irmã fúcsia]

amarelo-doce entona o recortado em cima da mesa da sala oval.
no corredor minotáurico da repartição publicamente privada, confiro: nenhum fio desencapado em meu cérebro pálido foi capaz de produzir estalidos que acordassem os pobres-diabos. entro e saio sem ser notada.
ontem fumei na companhia agradável das nadadoras sincronizadas que me levaram ao templo do deus gau que por sua vez me levou em sobrevôo ao estreito de gibraltar.
de lá vimos marroquinos disfarçados, usando chapéus panamenhos feitos em cerro azul.
nauseada voltei para casa.
antiacidamente correu pela minha garganta o cool-aid que me acalmou, embora ainda regurgitasse mariposas de diversos tamanhos toda vez que me lembrava da voz de deus dizendo: (continua)
o dia começa não querendo ser apenas um e nós ainda nem sequer levantamos da cama. o sol nasce especialmente para despertar os nossos corpos - e eu muito sonolenta, estico o meu braço esquerdo em direção a janela e deixo um feixe de luz entrar. o olho como uma mãe olha o seu filho dormir. é assim que gosto de tê-lo, desprotegido e encolhido em meu ventre. ele acorda e se desfaz de sua pose fetal, me diz bom dia e beija a ternura dos meus dedos. eu só sei pensar em amor, sorrio suavemente pensando na acentuação da minha felicidade e o agarro com as duas pernas. o contorno do meu corpo sobre ele. o meu corpo ainda para ele. todos os meus dias poderiam ser assim - se eu realmente quisesse, seriam. eu só sei falar em amor, e está tudo tão preso dentro de mim.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Um sol a se pôr aqui, enquanto você navega o outro lado. Do mundo.
A nascer e encher os olhos, daquele corar quente de vestir péle morena. A sua.

É, acho que vim parar aqui mesmo pra te (re)encontrar e (re)aprender a colorir o dia. No céu.
Agora sei do sol difuso > dos tons > em cada um. Desde quando(? nos) reparamos.

A manhã aberta é sorriso. Os seus, gigantes aproximando.
[Me confundindo[ Buscando. Fundo do mar quase afogava. Nos lábios, surpresa-inerte - Até perceber você (me reparando assim).

D’um azul que chegô agora. Displicente(mente) bordado laranja renda derramado. Ventos de versos para Indonésia. Dissolvendo um celeste_ que noutro cobre*.

Sobre a rede
dessa sacada
(sempre você) espreguiçava,

a ser mulher

e ter seu homem


terça-feira, 15 de setembro de 2009

as árvores migratórias

Apareceu guardando nas mãos flores de glosóli.
Passava o frio se cobrindo com guarda-chuva.
Era o cientista da cidade das 13 pessoas.

domingo, 13 de setembro de 2009


Sua linha da vida na palma da mão é curta
anda muito tremida, intrépido tracejo
Se você se programa em mim
Eu atraso os relógios e permaneço sempre há pelo menos uma hora abaixo
Eles só são úteis quando utilizados para me algemar
Se você flutua, mas tem dúvidas
É pq vc precisava mesmo se vestir de insensatez
Você precisava ouvir o lado B
Pegar a estrada de chão
Você até que finge que não se importa com toda essa varredura,
você tem que se distrair assim
Ma vez ou outra você se vê sorrir como aos 15
Se entregar a tantos,
tantos anos
à tanta loucura

sábado, 12 de setembro de 2009


senta cá e me escuta, isso pode demorar como pode acontecer rápido demais. então eu me assumo mulher e como sempre me pergunto se realmente sinto algum amor ou se me disponho a amores impossíveis, momentâneos e irremediáveis. depois falo da escassez que me acostumei, da indiferença que devora adentro e por fim, sobre esse ter você. a verdade é que tentei, cara, e como em todas minhas tentativas já era de se esperar acabar afogada na praia - não por culpa sua, talvez por culpa minha, sabe-se lá, o sentimento vai e volta, simples assim, e nós simplesmente já não podiámos ser. não sei se preciso explicar, tudo isso a gente sente enquanto perde os braços. hoje eu escrevo em tom baixo de voz calma, conheço bem esse seu medo de encarar as coisas, mas agora não dá mais não, o barco virou, ou qualquer outra coisa ridícula que dizem por aí. o ponto crítico é bem assim: quando paro e penso, chego na conclusão que sempre fomos completos desnecessários. você nunca precisou da minha dedicação diária mas eu fiz questão de dar até onde eu queria receber. vê? acho que nunca conheci alguém tão impossível.

sabali

As rugas que começam a gritar em teus olhos me encheram o peito de calma. Senti a quietude chegando feito onda - chá de cidreira pra minh’alma andeja..

Meus pés caminharam pacientemente e tive abstrata consciência do gosto de seu beijo em minha nuca lenta. Tua terra, a de todos os santos, me inundou de uma melodia construída com acordes pisados, que mesclamos com a poeira das ruas.
Eu nunca tinha entendido bem, mas percebi que em Cuyabá eu sou versos, em Salvador, avessos.

Então eu trouxe como presente, embrulhado naqueles teus olhares d'almoço, uma insatisfação com a inquietude de meus pés.

m'ensina usar isso?

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Cortou as pontas dos cabelos
e jogou fora o peso que teme mudar
assim, devagar
os cachos que enrolam os anjos
dobrando cabeças nos círculos de espaço
no vento









Eu entendi
as coisas mudaram quando eu joguei em você
a minha imagem retorcida
seguimos avessos e distantes

Não podemos caminhar repartidos
Já somos polarizados para permitir o encaixe
nos instantes felizes em que o medo não existe.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

[thebirdman]

cheguei em casa.
você chegou.
i
b
u
u
u
s
lavei o rosto.
senti o frio de Huambo me descendo a espinha.
o céu despenca  n  d    o    e    m     m      i       m.

[nosso gato preso em seu próprio reflexo na janela
                                                                                           
  e o sol, se pondo no telhado]

pela primeira vez, vi lágrimas. escorrendo. dos meus óculos fundos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

...Continua...


O dia amanheceu saudoso. Não podíamos mais ser. Acordávamos para a produção em série que é uma segunda-feira de manhã. Eu estava mais para o Chaplin do que para os Tempos Modernos, e o olhar buliçoso dele ao nos reencontrarmos na mesa do café indicava o mesmo.

Ninguém ali queria esquecer o que havia acontecido, mas a carga de memória que abandonamos para sermos, agora estava depositada em cima da mesa, ao lado dos pãezinhos d’água, entre o café e a manteiga, como um monte de correspondência a ler. Ignorada, entre o medo de encarar as coisas, e a dor de modificá-las.

-É possível nos vermos de novo.
- É possível sim.
- Mas não podemos nos tornar amantes. O açúcar, por favor.
- Amantes? Passa-me a faca.
- É uma idéia boba: uma boa idéia, porém, boba. O café ainda está amargo.
- A cuca está ótima. Melhora com manteiga.
- Às vezes eu tenho vontade de pegar o teu pescoço com as duas mãos e sacudi-lo assim, de levinho, repetidamente. Não gostei da cuca.
- Por quê?
- Não sei, porque eu tenho. Talvez seja a finura e a cor de seu pescoço.
- Por que não gostou da cuca?
- Porque eu não gosto de cuca.

...

Seja na ilha de Lemos ou no monte Etno,
ele chora fagulhas.
Outros sorriem em Delfos, sob o santuário.
A mortalha, que a todos abraça, também chora.
Outros sorriem.
Uma chuva de vulcões cospem pétalas vermelhas.
Da cor vermelha.
Vulcano, na sua enorme piedade, chora.
Os outros apenas lançam sorrisos.


Quentes como salamandras.
A minha soberania
é repartida:
o trigo cresce
solto (como o campo
de girassóis que
acompanha o nosso
olhar maduro)

dormimos e sonhamos
em reinos descampados
de esperança

tudo cresce e
o vinhedo verde
cora os dedos
sem futuro.

Já não sabemos
mais forjar
palavras e tratados
nem temos medo
do escuro

o nosso tempo está
contado

o povo sente
esse cantar
profundo
(o vento leva
os dias arrastados
para além
de todo muro)

as flores se misturam

sábado, 5 de setembro de 2009

Souvenir

Tenho meu desjejum entalado
Fui dormir contigo e acordei com outra
Meus braços, pernas e restos de gente se foram
Como tiras de papel ao léo, muy cruel
Quando paro e penso, chego a conclusão:
Será que teu relógio funciona igual ao meu?

[pausa intrigante]

dijo hola y adiós

a quilmes esquenta na taça e os kandjis do jornal mal decoram meus olhos, enquanto escuto sabina cantando..

lo nuestro duró!

.



sexta-feira, 4 de setembro de 2009

nada é perigoso
quando eu aperto meus olhos
nem parou de chover
eu quebrei mais um dente

lá fora as vidas quase pulam o elevado
eu só escuto
bate a gota
fecha a porta
a dor que vem dos próprios
cabelos
desconhece a si mesma

e seus cães não me poderão tocar
não haverá lâmina para joão
ou antônio
cai frio mais um pedaço de ti
sobre a cidade
que acabou de nascer.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Quando você morde minha sombra sinto calafrios na espinha
Me bate um tremor 6 graus na escala richter
Vejo meu mundo desabar
Em claro estado de calamidade pública
Fico desabrigada contando as horas de voltar pra mim
Mas o tempo não melhora e a estimativa é ainda mais catastrófica
Você causa alvoroço
E novamente eu sinto seus dentes me atando a existência
Fico paralisada, paralítica...
sou uma sem-teto, sem-reação
Eu assim desolada, uma sem-endereço, sem-futuro
Preciso de você para reconstruir meu mundo
Para falar que a minha dor é legítima
Se você vai me doar roupas, comida e remédios
Por favor, me mande um vestido estampado por margaridas, um baguncinha e um valium
Essa dor vai ter que valium a pena
Vou precisar também de um abrigo para esse frio na espinha
Melhor, de um guarda-sombras pra eu me precaver desses seus caninos amarelos de café, cigarros e de sorrisos cerrados