quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Epi Fânia


- Olha o velinho comendo uma goiaba enorme!

Ela me disse isso como se comentasse sobre o aumento da tarifa taximétrica.

Linda e breve, ela interrompia a estereotipia da rotina deplorável com as suas percepções insólitas. A naturalidade em descobrir a poética da exatidão mínima me enchiam de tesão. Quanto mais ingênuo, mais transcendental era o sexo, mais eu me transformava em algo que não era eu. Não pude mais aturar e, a partir desse dia, eu a apelidei de Epifania.

O trovão parecia anunciar a guerra,

algo desmoronava

próximo Dali.

O medo pervertido subia pelo lençol que mal tocava os pêlos

E o corpo que mal tocava os pêlos, desmembrava flutuante,

Espectrando o ego

Na volta para casa, figuras míticas, putas, trabalhadores, apostadores. Todos seguiam o cheiro da noite, cada um no seu rastro. Eram onze horas. Ainda não é madrugada e o breu ainda reflete os olhos cansados de crianças sonolentas. Em breve, ele será o desenho das pupilas desejantes da boemia que se espalha por toda cidade. A boca da noite engolia os corpos, nos tornando um bolo estomacal antes de transformar-nos em merdas arrastando-se pelas artérias de São Paulo iluminada pelo lusco-fusco.

- Merda ao sol é um espetáculo quase tão lindo e raro quanto Aurora Boreal!

Eu tentava escovar os dentes, livrar a boca do bouquet da ressaca, enquanto ela refletia sobre o raio de sol exato que transformava o marrom da merda em um tipo de dourado escuro, cobre.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cheguei na cidade e iniciou-se uma guerra.
Tirei os sapatos e saí para caminhar.

Hoje acordei cedo e molhei as plantas.
Agora tenho um jardim para cuidar.


Choveu um oceano no Rio de Janeiro.
O jardim se afogou e estamos ilhados.


Entre o silêncio e o piano, sinto
a eternidade de nossa natureza.

Às vezes me invadem ruídos do passado.
É preciso acalmar e seguir.
Não há mais tempo para desamor.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Meo eucípedes,

Receio que meu tradicional procedimento de rotina não seja eficientemente suficiente para suas novidades, mesmo assim, te envio saudações e anseios sinceros de que o Ano Novo seja repleto de. É que é sempre bom receber notícias sua. Não resisto à possibilidade de costurar hipóteses e manchar esquecimentos com você. E depois que 2011 vai ser diferente. Eu sinto que vai. Vou concretizar todos os planos que não cabem mais em mim e investir em erros semi-novos.  Mode custo benefício. Registrei nossas fugacidades em Cartório, que é pra não correr o risco da gente se perder de novo. Sobre seus improvisos, limito-me a dizer que às escolhas não dou o nome de clichê, as chamo pelo nome. O nome próprio de cada uma. Agora vamos direto ao assunto: te digo que comigo foi mais ou menos assim também. Meu ano passado não foi lá essas coisas... Mas também não foi ruim não! Reclamar é que nem samba, é reafirmar uma situação e você sabe o que eu penso sobre isso. Bem, eu ano passado não foi lá essas coisas. Meu ano passado não foi lá essas coisas. Pra falar a verdade fiz um chapéu e uma espada com a minha Certidão de Nascimento. Armei até os pentes, sai por aqui lutando com quem quer que fosse, all inclusive (que se movesse ou ficasse parado, três refeições e translado). Mudei de nome pelo menos cinco vezes. Meo, eu me abandonei. Corri tanto que cheguei sempre douze minutos antes dos acontecimentos. E douze minutos meo, é uma eternidade para quem só sabe contar até dez. Esperei os acontecimentos, esperei tanto que encolhi. Encolhi de tal modo que não me encontro mais nem quando estou sozinha. Cuspiram na minha cara, envenenaram meus dentes, amputaram-me o perdão, penduraram  minhas lembranças no varal até que ficassem completamentes secas, aumentaram o tamanho do Sol a ponto de nunca mais haver noite. Você tem ideia do que é viver um ano inteiro com uma tonelada de luz  gordurosa fodendo sua retina e derretendo seu cérebro? Você sabe o que é ficar um ano inteiro sem dormir, sem pregar a porra dos olhos, sem parar de lembrar e calcular e decidir e mentir e obedecer e pedir e chorar e mandar e sua ligação vai ser transferida para um de nossos atendentes continue na linha pois você é muito importante para nós? Confesso que sobrevivi, só que preciso de um rascunho que não seja meu pra eu poder passar  toda essa história a limpo.Tem um calo no meu silêncio. Você sabe de alguma casa pra onde eu possa me mudar sem pagar os dois primeiros anos de aluguel? Assim que a chuva cessar juro que prometo que te faço uma visita.
- estou por um fio.
- teça.
- não posso, perdi todas as medidas.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

I got my Kiki



Como sempre, soava mais a dor nenhuma do que a qualquer outra coisa; via-o não tanto liberto de si e dos seus tormentos como disposto a entregar-se a quem o aceite, assim, de braços estendidos e pulsos colados, quase desejando os grilhões.