Só no sono o caos,
e todos têm,
função social.
..o vermelho-veludo na parede brinca com os espelhos recortados.. as luzes espetam seu peito. Pela rua andava tranquila e abriu sóbria a porta. Jurava isso. Vestiu o ambiente trocando a pele que sorria rosada pelo olhar rubro e subterraneo da noite. Subtamente deitou-se no tempo que alí pulsava sem compasso. Deitou-se e abriu o corpo... mais forte do que toques e salivas que escorrem, olhares errados borram amores. Entre luzes, corpos e câmeras, que ensaivam ali uma representaçao mal feita de um jogo sedutor piegas, ela o via olhar o nada.. ele ensaiava uma conversa vazia ao lado.. com o corpo ao lado.. para o corpo ao lado. Vez ou outra voltava..um beijo, amor..
..vivendo a agonia da coisa mal dita pelos olhos, que erram, ela o golpeia no peito, agarra a bolsa negra e sai com o corpo atravessado por dores em longos raios finos. Pela mesma porta que entrara atravessa o veludo que chora.. antes sedutor, agora triste. E despida abisma-se em si mesma, e sucumbe.. e chove.
* Brigitte Bardot como Camille em Le Mépris, de Jean-Luc Godard.
De malícia e mentira, ele sabia até o refrão. Tipo alto, costeletas grisalhas e pés treinados para chegar onde tudo começa e acaba. Ficava sentado na praça vendo as fofocas passarem entre um assovio e outro minuciosamente entoados às moças que se entortavam para ver a fonte iluminada. Gostava das baixinhas peitudas. Dizia que era como voltar à infância, quando se embrenhava com as vizinhas imaginando as amigas da irmã mais velha.
No bolso direito da camisa estampada carregava os óculos escuros que jurava terem pertencido a Cartola. Puxava assunto com a mesa do lado, falava sem ser ouvido sobre o senado e futebol. Batucava com os pés um samba desconhecido qualquer e comentava nota por nota depois. Gostava da sensação de música saindo pela nuca.
Bebia devagar até quando o dinheiro dava. Depois, no segundo bloco da novela, despedia-se. No caminho de volta pensava
Naquela noite chegou em casa antes da Tela Quente e encontrou Noêmia aos prantos. Descabelada, a mulher só implorava por um feriado. Abraçados, um na ausência do outro, rezaram juntos depois que um engravatado familiar disse na televisão que Madeleine ainda não tinha sido encontrada.
Protegendo a sala de antropologia do tempo, os panos de prato se faziam cortina.
Na parede, os teóricos estavam escritos em garfo e faca sujos de macarrão alho e olho.
Do calendário, todos os feriados tinham desaparecido enquanto os pentes embaraçavam os cabelos cortados com navalha enferrujada.
Olhei pro teto. O destino em setas planetárias apontava para o fundo.
Entrei no avesso e vi a retroatividade sentada numa cadeira de balanço.
Desde pequena escutava o barulho dos passos até durante a ausência de movimentos entorno. Permitia, mesmo sem saber se eram de deus ou do diabo. Era quinta-feira e seus poucos pêlos estavam encharcados de suor. Flertava com a velocidade dos pés quando desceu pela Treze e num pedaço de instante resolveu subir os degraus. Pisou somente nos mármores escuros ímpares, escolheu a segunda porta lateral e sentou-se em um dos bancos.
Ali, sentia-se plena interrompendo a única corrente de ar que ainda enganava o Sol. Olhava para cima e podia sentir a luz rasgando os vitrais coloridos divagando raios. Contava a décima quarta cor quando desistiu dos números depois de confundir azul celeste com amarelo terra.
Fechou os olhos para escutar o vento respirando sua pele do rosto criando refrões publicitários com o barulho que os cabelos faziam quando brincavam com seus brincos. Concentrou-se. Abriu os olhos, os braços e as pernas para que ele entrasse por inteiro. Esperou durante duas músicas cantadas
Desacreditou.
Tentou esquecer o almoço com a língua, usou a unha mais antiga e depois levantou-se. Atravessou a rua e entrou no primeiro ônibus que não passou.
Era gente e poesia
Mas naquele inverno já era quase noite.
E então ele molhou o indicador com pura saliva escovada na semana passada e apalpou vigorosamente cada linha de grafite.
Arrancou as vírgulas e os travessões.
Asfixiou as maiúsculas com o mesmo sopro que permutou reticências por espaços
Ele, e suas células acentuadas.
Antes mesmo dos capítulos desfilarem abstinência circular, tentou vender três ilustrações por um ponto de exclamação.
Mas era quase dia, e as células estavam vivas.
Todas ali.
Flutuando no vinho tinto de mesa.
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