sábado, 29 de maio de 2010

where she belongs


Partir. No próximo trem ao amanhecer. Grudada na beira da janela, os olhos vidrados de paisagem revirada em despedida - movendo-se velozmente sobre o abandono - enquanto ela e outros seguem os pontos de fuga - desenhados no céu para um novo sentido qualquer. O que importa é o movimento. O vento trazendo a certeza da distância, deslocando os olhos por uma nova natureza nativa, a vegetação revelando aos poucos sensações desgarradas da terra do clima da estação da despedida.
Mas como poderia partir? Com que passos? Júlia não era capaz nem de calçar os próprios sapatos sozinha. Onde encontraria músculos ossos pernas chão para seguir? De que adiantaria arquitetar novos sonhos se o corpo aprisionado jamais a levaria dali?
No amanhecer, no próximo trem, o primeiro. Como vencer os limites da inércia de sua própria matéria bruta? Henrique.. Henrique, querido.. É preciso seguir, nos devemos este último encontro. Eu preciso deixá-lo primeiro para depois partir. A minha alma é uma ferida alerta, tenho vestido-a no avesso da carne, na superfície mais que o fora. É preciso curar e seguir. Romper os pontos em um novo caminho para nunca mais sangrar.


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and it won't be long


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quinta-feira, 27 de maio de 2010

"do chão já me fiz sócia", escreveu [no comprimento das minhas costas] antes de desaparecer em la paz.

sábado, 22 de maio de 2010

no retorno a cidade das 13 pessoas eu me encontrei sem acentos. seco como uma folha. perdido como vento. azul como o tempo. perto como o longe. cruz.




...choram, mas nao choram a morte da vida: apenas derramam lagrimas.
dancam os corpos, mas nao o fazem nus.
tocam instrumentos, mas nao encostam o ouvido na alma.
cantam, mas nao sao passaros.
eu quero em mim um muito de estupidez e arrogancia, e um tanto de boa saude.
eu tenho em mim o sonho, porque o estranho homem que toca, chora e danca usa a realidade como muleta de seus deficientes sentidos.
eu quero a magica, a mentira, o verso.
eu sinto aversao a exatidao do pratico, do agir.
os tristes homens vivem a merce das regras, dos efeitos, do palpavel.
eu quero so o sonho, so o sonho, aquele la de longe que nao me pede acento.
eu e minhas colheres, guardanapos, facas e mesas.
que nao me pedem a existencia: so me exigem a vazao do que carrego no coracao.
eu nao tenho paredes, muros, bandeiras, selos, cadeiras, limites, fronteiras. Paises e nacoes nao existem em mim.
nem acentos.
e eu toco a vida com o coracao colado ao invisivel.

yo te quiero, vida.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

da série poemas secos

quero um poema açoite
tão noite

como esse silêncio
tão seco
quanto esse sangue
que ficou grudado
na calçada

tão seco quanto o ar
que estala
chicote
de couro crú

eletricidade corre
solta
outro estalar rompe
a manhã

são passos
pisando sobre as folhas
que caem out
onais
feito pele de árvore

pé de vento
na folia da cor
rida
pela estra
da qu
e nã
o t
em
f
im

quarta-feira, 19 de maio de 2010

9999 motivos para você não acordar em certas manhãs

hoje frio. calmamente relaxo os músculos. com os dentes afiados corto um naco de sua carne. a língua saliva. cuspo sobre o chão forrado de folhas secas rubras da sete copas em frente. sete vezes amaldiçôo a manhã. névoa cobrindo os olhos estatelados.
pronto. sacramentado. o suco de uva escorre entrementes. não, parece vinho. púrpura pura. uma purinha, que ninguém é de ferro. só os dentes e os nervos. que ninguém é herói nessa porra. só os dementes contróem castelos gaudianos na paisagem outonal num fim de manhã qualquer. a nota pode ser dó. o tom. pode ser atonal? só a música para consolar os anjos que caem estrada afora. um mar de anjos bêbados. isso que dá virar humano num momento desses. só a hora pode determinar o badalar desses sinos. você ouve?

terça-feira, 18 de maio de 2010

when Julia goes

para se estar perdido não é preciso partir. não é necessário isolamento ou a distância de tudo que nos dê um nome e aponte caminhos pelos quais passamos com segurança. eu estou perdida e isto é tão claro quanto difusa é a confusão que cavei em mim. tenho um abismo gigante no meio do peito, e quando me perco por aqui não há eco seguro o bastante que me faça replicar algum encontro iluminado. você, Henrique, você, ainda insistindo em pisar entre as montanhas do meu corpo ilhado, acreditando estar neste contato reanimando-o em vida. você, Henrique, você, como uma faísca translúcida entre os rochedos escuros, que insistemente anuncia a mudança das fases sentidas no tempo aqui do fundo. você, que não desiste, não abandona o próprio abandono que já existe em estar aqui. por favor, não insista mais. esse é o desengano que lhe peço, é este o menor tamanho da minha covardia. eu não tenho mais forças para cravar os dedos as unhas o corpo em parede ou qualquer contato vão que exista, já não sei nada além dessa inércia que habita a pouca força que há em mim. se te escrevo, Henrique, querido, é por tentar salvá-lo de um esforço desnecessário, uma luta irremediavelmente morta e já vencida. siga o seu caminho, vá. o seu corpo é saudável e jovem como o meu jamais foi. não desperdice os sonhos de um raro coração que dispara além da vida, além de mim, além de nós. não se esqueça de você; não se esqueça em mim. deixe-me aprender com os cantos fugidíos dos pássaros renegados que às vezes me visitam por entre as noites; deixe-me com o meu silêncio vazio. os meus olhos ainda não aprenderam a encarar a beleza que persiste em estarmos aqui. este é o tamanho mais profundo da minha escuridão, Henrique. uma densa tempestade, que reluta em inundar trovoadas e dissipar o que pode deste bosque perdido que há no meu peito. nenhuma árvore jamais frutificou neste vale seco (não se engane pelo colorido das flores). não há sequer um rio de fio de vida que transponha essa queda invertida e fechada de onde estou. não insista, querido. eu não posso condená-lo ao meu estancar dos dias. já não podemos ser.





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domingo, 16 de maio de 2010

...



...silente,
con el cargamento del mundo en mis ombros,
seguiré mi ruta olvidándome de que
hasta el momento
he tenido poco menos que el ruido de tus colores,
una sonrisa rota
y dos calles paceñas en el bolsillo.




[yo, que acostumbrada estaba a diseñar palabras en tus silencios...]



[imagen congelada por]

::Jorge Ferrufino y su mirada hacia el color del tiempo::

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Epi Fânia

- Olha o velinho comendo uma goiaba enorme!

Ela me disse isso como se comentasse sobre o aumento da tarifa taximétrica.

Linda e breve, ela interrompia a estereotipia da rotina deplorável com as suas percepções insólitas. A naturalidade em descobrir a poética da exatidão mínima me enchiam de tesão. Quanto mais ingênuo, mais transcendental era o sexo, mais eu me transformava em algo que não era eu. Não pude mais aturar e, a partir desse dia, eu a apelidei de Epifania.

O trovão parecia anunciar a guerra,

algo desmoronava

próximo Dali.

O medo pervertido subia pelo lençol que mal tocava os pêlos

E o corpo que mal tocava os pêlos, desmembrava flutuante,

Espectrando o ego


Na volta para casa, figuras míticas, putas, trabalhadores, apostadores. Todos seguiam o cheiro da noite, cada um no seu rastro. Eram onze horas. Ainda não é madrugada e o breu ainda reflete os olhos cansados de crianças sonolentas. Em breve, ele será o desenho das pupilas desejantes da boemia que se espalha por toda cidade. A boca da noite engolia os corpos, nos tornando um bolo estomacal antes de transformar-nos em merdas arrastando-se pelas artérias de São Paulo iluminada pelo lusco-fusco.

- Merda ao sol é um espetáculo quase tão lindo e raro quanto Aurora Boreal!

Eu tentava escovar os dentes, livrar a boca do bouquet da ressaca, enquanto ela refletia sobre o raio de sol exato que transformava o marrom da merda em um tipo de dourado escuro, cobre.

sábado, 8 de maio de 2010

jardim voador

para Manoel de Barros e os meninos do mato



i.





ii.


o menino do mato
certa vez disse:

.............
"sapo é um pedaço de chão que pula"


.........................
achei graça



pra mim,
sapo é uma pedra que pula


quer dizer então que

pedra é um pedaço de chão?


sempre achei

que sapo fosse pedra


que na beira do rio tanto ficou a se banhar


que sonhou brincar de pular sobre as águas


e comer as moscas que lhe vinham pousar



pensando bem
agora acho

que sapo é mesmo pedaço de chão



que também é pedra
beira de rio

pingo d'água
e mosca no ar


que é só saber

a medida do sonho

para sentir

no dia

ser todo um jardim

que pode voar

segunda-feira, 3 de maio de 2010

o aprendiz de significações ou palavras regadas ao vento

para Manoel de Barros




despertou bem cedo


]]]....como a manhã.... [[[
]]].....a sonhar dia..... .[[[
]]]...além das janelas...[[[


e soprou decidido:
...............................vou cultivar palavras
......................................................(semeá-las em jardins
....................................................................de silêncios
....................................................................até criarem
........................................................................ ..formas
......................................................................... ...cores
................................................................... e crescerem
.............................................................................. vida
.................................................................... .. .em frutos)


Aprendera com o menino do mato
que as palavras cabiam melhor

quando sentidas soltas no campo

com os pés lavrados marrom de terra
com brilho de sol
dia todo
para levantar
de novo
enxugando peso-gota de sereno


banho só de chuva
do lado de fora
em pleno canteiro


violetas, petúnias, girassóis


junto aos animais menores
perto do coração da pedra


(palavras gostam de dormir
aos olhos cheios das estrelas
que sempre abraçam a via-láctea)




Agora, assim, sabia
jamais conheceria palavra fechada
que não guardasse princípio de gosto
sem flor, sem broto
sem estações por alegrar


palavras

pelo jardim

regadas ao vento


espalhar suas letras

formar novas palavras

romper cascas sem feridas

tratar com o verde


bicos de pássaros

sapos grilos cigarras

abelhas e um beija-flor



palavras cultivadas

soltas no jardim

nunca mais esconderiam

amor maior que a dor

no desmanchar das tardes

Tupi.

There is no question.