para se estar perdido não é preciso partir. não é necessário isolamento ou a distância de tudo que nos dê um nome e aponte caminhos pelos quais passamos com segurança. eu estou perdida e isto é tão claro quanto difusa é a confusão que cavei em mim. tenho um abismo gigante no meio do peito, e quando me perco por aqui não há eco seguro o bastante que me faça replicar algum encontro iluminado. você, Henrique, você, ainda insistindo em pisar entre as montanhas do meu corpo ilhado, acreditando estar neste contato reanimando-o em vida. você, Henrique, você, como uma faísca translúcida entre os rochedos escuros, que insistemente anuncia a mudança das fases sentidas no tempo aqui do fundo. você, que não desiste, não abandona o próprio abandono que já existe em estar aqui. por favor, não insista mais. esse é o desengano que lhe peço, é este o menor tamanho da minha covardia. eu não tenho mais forças para cravar os dedos as unhas o corpo em parede ou qualquer contato vão que exista, já não sei nada além dessa inércia que habita a pouca força que há em mim. se te escrevo, Henrique, querido, é por tentar salvá-lo de um esforço desnecessário, uma luta irremediavelmente morta e já vencida. siga o seu caminho, vá. o seu corpo é saudável e jovem como o meu jamais foi. não desperdice os sonhos de um raro coração que dispara além da vida, além de mim, além de nós. não se esqueça de você; não se esqueça em mim. deixe-me aprender com os cantos fugidíos dos pássaros renegados que às vezes me visitam por entre as noites; deixe-me com o meu silêncio vazio. os meus olhos ainda não aprenderam a encarar a beleza que persiste em estarmos aqui. este é o tamanho mais profundo da minha escuridão, Henrique. uma densa tempestade, que reluta em inundar trovoadas e dissipar o que pode deste bosque perdido que há no meu peito. nenhuma árvore jamais frutificou neste vale seco (não se engane pelo colorido das flores). não há sequer um rio de fio de vida que transponha essa queda invertida e fechada de onde estou. não insista, querido. eu não posso condená-lo ao meu estancar dos dias. já não podemos ser.
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4 comentários:
mas o mundo é grande e um buraco negro nos espreita a cada esquina em forma de cotovelo.
para se estar perdido e preciso se achar. ou naum.
me senti olhando as estrelas.
na plenitude cortante dos nossos desejos.
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