quinta-feira, 25 de março de 2010

eis aqui um signo
desmotivado: aceita
sem querer
os códigos
hierarquizados

passivamente renuncia
o seu princípio
elementar
de incorporar

letra a letra
verso a verso
espaço traço palavra

sua natureza
arbitrária
em denotar
icônico contentamento

aos símbolos
do ser

perceptível - a expressão
da língua

pura e simples

sensivelmente humana

segunda-feira, 22 de março de 2010

Fräulein

- Ontem eu morri 13 vezes minha irmã...
- Não conte seus sonhos, eles podem ouvir. Veja, estão todos com os dentes sedentos por um pedaço de sua pizza suada de costa a costa.
- Proteja-me.
- Protejo-te.

As duas irmãs, uma maratonista e uma fräulein, discutiam o sabor dos ventos, pisavam o mundo em pantufas de algodão doce e corriam pela única via asfaltada da pequena cidadela das 13 pessoas.
Mas uma delas tinha morrido?
ninguém sabia ao certo, todos temiam uma resposta direta.

- Conte-me seus sonhos.
- Eles são concâvos.
- Devem ser lindos.
- São rendilhados, disso eu sei.
- Ontem eu sonhei com você 13 vezes minha irmã. Caíamos de pernas cruzadas do 13 andar do único prédio em pé que se fazia ver naquela cidadela...
- quem nos acompanhava?
- Éramos só nos dois.
- Caíamos com elegância?
- Imagino que sim. Você ainda sente as dores?
- Sinto os sabores.

Reminiscências estão sempre a acompanhar àqueles que se atrevem a sonhar com os olhos abertos. Aquele que quer um pouco mais do que o céu, a terra e a alma... aquele que almeja o sucesso... aquele...

FADE

- Você me contou segredos durante o sono?
- Te contei amenidades. Coisas sobre árvores ululantes, montanhas mágicas pensadas por Mann, coisas poucas...
- Promete me proteger da pomba estúpida que vive a sujar nossos poleiros?
- Dela e de seu criador, aquele velho ranzinza que vive a derrubar aviões e a criar desastres para que os ignorantes acreditem nele.
- Graças a natureza eu acredito nas suas promessas.
- Beije-me a palma da testa.
- Beijo-te a alma, minha grande irmã.

As duas irmãs se davbam as mãos porque eram duas irmãs. Se fossem três, a natureza as espancaria. Três irmãs nunca devem andar de mãos dadas. É a lei.

- Percebes que somos agora 12, antes 13?
- O que o futuro nos reserva?
- Uma quiromante, penso eu.
- Minha alma está um tanto seca, penso em parir uma cachoeira.
- Peçamos a mamãe permissão?
- Mamãe está morta. Mamãe morreu. Mamãe é um cadáver de útero seco.
- Ainda bem que temos um pai, ou não temos?
- Não sejas otimista...

O otimismo tirou-lhes as lentes e os tímpanos.
Só lhes sobraram a distância da pomba estúpida, que nem pomba era, era um artifício religioso.
Fräulein e maratona eram felizes. Comiam pizza, caíam de pernas cruzadas, atiravam em pombas da paz e tinham a mãe morta e o pai ausente.

Desta vez elas dormiram felizes, e puderam sonhar seus sonhos concâvos.

domingo, 21 de março de 2010



Irmã
pensei que fossem seus os meus saltos de agulha fincada em cada ferida imposta. Quase cai dura (caso mais abaixo pudesse ir) quando me questionou se andava eu por acaso com pantufas em tempo integral. Pra ser sincera parei de andar há 13 anos. Acidente de percurso. Coisa gravíssima, cerca de 800 mil vítimas. Fatalmente mortas. Carbonizadas de sol. Mais de um milhão e meio de pés fincados em lama frutada, tinto seco (perfeito com pizza e outras refeições de plástico rápidas). Pra ser sincera parei de andar há 13 anos. Acidente de percurso. Não reclamo mais nem do calor. Alias, todo dia ao meio dia desenho um mapa com os caminhos que o escorrer do suor faz no rosto lateral descendo pelo corredor da nuca até desaguar soberbo potássio nos cantos das costas. Agora mudando de assunto. Meu estado quase saiu dos nervos quando me deparei com a composição que você carrega desde o batismo. Pensei em perguntar onde seus pais ou a escrivã do velho cartório completaram o colegial. Mas me lembrei da época em que jogávamos dominó em nebulosas e nos contemplávamos com abertura de firmas, registro de cnpj e massagem nos pés.
Pra ser sincera parei de andar há 13 anos.
Acidente de percurso.
Irmã

...

Ella pensara ser pó, passando incólme pelos corpos que lhe atravessavam engolindo vozes, sopros, cores carcomidas, enferrujadas de rua. Gozava silenciosamente num deleite despretensioso, enquanto assoviava o desapontamento com o mundo. Aos poucos, de tanto andar pelos cantos das ruas, onde carro e gente se mesclava a suor e libido, foi adquirindo desejo de espaço. Suas pernas se alongaram mais que em passos costumeiros. De tanto observar, uma vontade de saber tomou-lhe o pulso e o mundo cortou-lhe a pele com a sinceridade d’un fado que chora. Sobrevivente aprendeu a cultivar o desapego tomando as pessoas por discursos e os corpos por contos. Aceitou que as costas dadas após o sexo é puro movimento. ‘decir adiós es crecer’.

Naquela noite tocaram-se as pernas. Seu joelho apertava docemente seu membro enquanto sua língua lhe dizia que dali não sairia silente nem incólume. Sua boca morosamente mordia a orelha fria daquele menino, cujo único som que soprara até então fora o click de sua câmera, na rua, quando se encontraram e a partir de quando começaram a caminhar subindo e descendo desatinadas e frias ladeiras. Seus corpos, por algumas féculas de segundos, mediram-se, desenhando uma linha que coleava entre o desejo e a cumplicidade de duas forte existências.
"Y mirá que apenas nos conocíamos y ya la vida urdía lo necesario para
desencontrarnos minuciosamente."
J.C.
Rayuela, cap. 1
[entre las calles y los puentes, diría yo!]

quinta-feira, 18 de março de 2010

Xícara errada

Não sei, acho que te ver me dá saudade. esse olhar que me acompanha sempre pelas costas como um sim que tens medo de ser. (Eu nunca precisei pedir perdão porque tu sabes que é sempre como se eu bebesse o veneno da xícara errada; enquanto podes te dar ao luxo de ciúme - teus olhos, não negue - fico eu a calcular palavras, a sonhar sempre serenos dias de um verão onde me ofereces um sorriso e tua mão e que então rimos dessa distância tão próxima que andava ao nosso lado; até vejo tua risada de ter me negado sempre, à espera de que meus hormônios agissem como flecha, sempre errando o alvo) Nós sabíamos mais fácil negar isso, que tua liberdade estava presa a esse medo da inconstância como companheira e que meu riso fácil já cansara de transmutar-se em uma ou duas lágrimas quase esquecidas. Puxo teu braço, vou dizer que nem todas as capitais tem o DDD que termina em 1, como tu me disse Veja Floripa, meu bem e então tu vai saber que também erra e que talvez esteja errando a mim também Tem horas? Sete e quinze, dizes.

E seguimos em direções opostas, os rostos dançando um balé sincronicamente assimétrico, sem jamais se encontrar. Até que a vida nos separe.

terça-feira, 16 de março de 2010



A gaivota
pousou
levemente
sobre a pedra

e recolheu o seu vestido
de vento.


Quando pega carona
no ar
ela o deixa
solto, abre
seus bordados
nessa dança
de brisa

caminha com o mar.


(Portugal - Algarve - Lagos - ago/2009)

segunda-feira, 15 de março de 2010

O meu silêncio
é azul

gosto de subir
no monte
na falésia mais alta

e me deter
entre as águas
e o horizonte
sem fim

nas pedras,
onde andorinhas descansam e
tantas sobrevoam os caminhos,
com o vento.

O mar
aqui de cima
é um manto ondulado,
com pequenos bordados
nos cantos,
que tocam as pontas
e os pés.

Eu estou só,
com meu silêncio,
nesses montes
de areia

A andorinha seguiu
com o vento, abrigando
entre as asas
pedaços
do céu.


(Portugal - Algarve - Lagos - ago/2009)

sexta-feira, 12 de março de 2010

cORAÇÃO gUARDA-tRECOS

Se todo o ser ao vento abandonamos

E sem medo nem dó nos destruímos.
Se morremos em tudo o que sentimos

E podemos cantar, é porque estamos
Nus, em sangue, embalando a própria dor

Em frente às madrugada do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos

E a alma beberá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

::going into sayonara nihon phase::

meus pés agônicos pediram pra lamber o asfalto e desenhar na ladeira fria daquela cidade de dor.
sem entender os calcei, e com bot'anti-lágrima corri num escorregadio desatino,
salpicando lamentos nas roupas dos que m'esbarravam.


rebobinando a memória vi, pero demasiado tarde,
o hálito dele tornando-se o rarefeito ar qu'eu engolia pra sobreviver
enquanto sutilmente seu desespero inscrevia-se em minha míngua língua.

sem saber.
soube.
'despedir dá mesmo febre'




:: frase roubada anonimamente dos dedos d'um indiano que chorou, despedindo-se [supongo]

sábado, 6 de março de 2010

...;




Go down
Where it’s warm inside
Go down
Where I cannot hide
Go down
Where all life begins
Go down
That’s where my love is

sexta-feira, 5 de março de 2010


Irmã,


Li seus ruídos atenciosamente. Embora não compartilhe de sua logística conceitual do rei dos apostos, externalizo minha complacência e benevolência aos fatos enlatados que revelaste em mantra fúcsiano. Adiciono à medida, minha gratidão pela prestação de contas na última campanha de doação de hipotálamos. Digo, convocarei o edital solicitado o mais rápido possível. Prometo empregar todas as suas conjunções recém formadas até o fim do mês passado. Vou impugnar também a comissão parlamentar, não haverá concorrência. Os conselheiros prometeram que seguirão meu conselho. Eles devem aprovar a moção de aplausos para antes mesmo do final do discurso. Outra coisa, não sei quem é que anda falando por mim, mesmo assim assino embaixo que pretendo ir ao seu encontro, a priori em embalagem de dois. Admito que mal posso esperar para conhecer o Camilo. Parcelei minhas próximas sete vidas pré-ocupada com a forma e o jeito que ele tem. Se fala baixo, se pede o cardápio, se desfaz descansos de copo enquanto enche e esvazia copos, se faz planos plácidos, se veste aquele abismo que o enviei no último aniversário, se ganhou dous troféis graças a qualquer talendo inoxidável no manoseio de palmitos, se é clint eastwood com mais praia, enfim. Por favor, cuide da alimentação (hoje mesmo comi algo que não me caiu bem), e reserve a sombra para meu triciclo, ou me espere na nossa velha árvore inflável.

Irmã

segunda-feira, 1 de março de 2010

Um dia

o homem caminhava sem olhar para trás, ou para os lados. seguia apenas os passos de suspés gigantescos, seu tênis e cadarços soltos
entrou numa cafeteria, comprou seu café sem açucar, expresso, sentou-se à frente da avenida. saboreou aquele momento de preparação, teria de atravessar ainda alguns percalços antes de chegar à praça
ele tinha nome, e tinha amigos. s empre sorria, e cantava como se não importasse nada. era um  garoto grande e barbado, seu sonho: ser thurston moore. mas nem guitarra tinha
ele às vezes pensava que era um personagem de alguém que sonhava. sentia-se como tal. o que o tornara aquilo que ele era, e a roupa que vestia, e avoz que tinha, senão a imaginação de um outro que sonhava?
caminhava pela avenida pouca movimentada da universidade. depois da chuva, caminhar era bom, mas não era isso que ele sentia embora disso soubesse. ele sentia uma pequena ansiedade, não se sabe se do café, ou da saudade
entrara no boa. caminhava a passos largos, não tanto por pressa quanto por experiência, se ela não estivesse lá, não seria a primeira vez que. e ele já se acustumava a essa sensação de gato de schröndiger.
 
atravessara a rua de sua penúltima moradia e avistava a curva para chegar à praça. Já vai atravessar.