domingo, 28 de novembro de 2010




estamos também à distância d'uma mentira prescrita em abril..

você não entende a dor que não busco. as agonias do mundo afinam minhas retinas com canivete enquanto me disparo na qualidade de só amar.. amar é político. é nanopolítica. as gramas daqui já estão verdes. d'um tom tão forasteiro no cerrado quanto tua presença em meu quintal. não entendo o que me diz enquanto a febre arde. e sei, abstenho-me da pergunta que insiste em sair de teus dedos. chegarei em dezembro com o atraso semitonado para o cumprimento da promessa que esquecemos em aberto - sem assinatura - em cima daquela mesa. era carnaval e falhamos no adeus.. você não tirou os sapatos e eu resisti na questão. dói o silêncio, mas não suporto as palavras que tenho apontado. parece que sim e o café tá no fogo. requento porque o pó tá no fim. esqueci a distância da cor dos teus olhos. teus gestos souberam calar a ansiedade dos meus braços, mas minha agonia ainda pulsa. corri pro índico d'inhambane, em xai-xai, pra ver se o esquecimento azul daquelas aguas te roubavam um pouco de mim. maldizendo-me, trouxeram de volta o cheiro grosso dos teus olhos, bordados de sal, mas ainda sem cor.

desculpe se o café também salgado já secou nesta folha.


é que minhas ruas já não suportam a ausência dos teus pés.

e eu só vim pra dizer que eu creio na febre, não na razão.





sábado, 27 de novembro de 2010

eu tenho sido censurado
pelo meu espírito,
por uma luz quente que invade o quarto
a janela velha, o vidro velho
tão novo
eu tenho sido censurado pelo galho de árvore que posso ver
deitado na cama
é tão verde que eu quase não acredito
então me levanto e toco as folhas
olho em volta, sinto o ar entrando no peito
nenhum silêncio é páreo pra mim
à partir dessa primeira censura do espírito ao facto de
eu estar atado a cama
eu já não me permito maldizer
abro os ouvidos ainda mais, ouço cada nota de carro passando
como se fossem nunca passar novamente,
não daquela forma
ali, de imediato, uma percepção diferente
eu estou encantado com minha própria existência,
e com a sua também
meu sangue está limpo, do jeito que nasci
a cabeça está com um buraco onde as sondas de luz chegam
diretamente do teu sonho
pra mim

tanta coisa me vem a cabeça quando eu passo na tua rua.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010


Nós, que já não cicatrizávamos e tampouco sabíamos a origem do silêncio, passamos os últimos sete anos professorando sobre anti-dança e conceitos plurais da solidão.


- Tem muita gente indo pra lugar nenhum.
- Brasília saiu de moda no carnaval de 61.
- Não importa. Todo cuidado é pouco quando se trata de vírgulas.

sábado, 6 de novembro de 2010

fall from fallin`



descobri, entre-meios, o retorno.
quem disse isso?
qualquer voz.
meus dedos se confudem, entrelacam o universo.
sou mais um, mas quando estou, sou uno.
agora sei que inexisto ao lado da minha replica.

...a partir disto, deixei de calcular o amor.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Manual de re-encontro

Antes do domingo acabar comemoramos sem saber nosso mais de um ano de nascimento e morte, calendário Pacífico/ Índico. Como não poderia deixar de ser, na nossa mesa uma cidade se construiu rapidamente. Estiquei os braços entre os pequenos prédios erguidos e senti seus desenhos deitarem-se nas minhas mãos. Pedimos mais uma cerveja e uma porção de aspas.

- Amassa a carne para se conter em palavras e traços porque corpo já não possui.
- Os homens livres comem quando têm fome.

                                           (nunca mais nos despedimos)

"Nossotros somos artistas pero cada hombre que trabaja por la ampliacion, aunque sea mental, de sus espacios de vida es un artista", Colectivo Acciones de Arte Chile.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Ratazana e salamandra ou Entre Mojitos e Sangrias


A aeronave já caminhava pela pista, em breve ela ganharia velocidade e Barcelona seria um retrato espremido pela janela do avião. O sono incomodava Luiza. O seu Nessun Dorma estava chegando ao fim. O desejo teria que ser remobilizado. Em menos de 15 horas, os ouvidos voltariam a latejar o clima barulhento e seco de São Paulo.

Barcelona a havia enrolado com uma espécie de fio, uma teia sutil, e a entregou como uma órfã na porta do aeroporto. O regresso era o exercício de desinosar-se. E, seguramente, a terceira baldeação no metrô da Sé às 18h30m não estava ajudando muito. O que ela faria? Enrolar os seus companheiros de viagem subterrânea? Isolar-se num canto da casa desenrolando a si mesma enquanto escuta Lou Reed? Recorreria a Cortázar sob o risco de enrolar-se todavia más? Ou transferiria essa linha infinita para as letras ininterruptamente até ver todo o novelo que a envolvia exposto na folha branca do caderno? Seja como for, aquela realidade não estava disposta a abandoná-la, por mais que o cenário houvesse mudado. Nas primeiras 20 horas de volta em casa, lá estava ela, mergulhada numa mistura de idiomas, trazendo toda Barcelona, Amsterdan ou Berlim para o centro de São Paulo. A memória da língua trazia de volta a memória do corpo. Experiência corporal da língua que está no timbre da voz.

E é por isso que o seu corpo ainda estava lá, jogado no colchão, com o primeiro sol entrando pelas frestas da janela que Silvio acabava de esmerasse como um yoguino para fechar. Sim, não era uma simples janela. Era uma janela que exigia uma performance para ser fechada. E Luiza assistia ao espetáculo deitada, exausta pelo gozo que parecia não ter fim, mesmo que não estivessem mais transando. Sua respiração era leve, e ela parecia poder sentir a linha barcelonesca que caía garoando sob seu corpo florido.

Os pingos batiam no avião. A luz da manhã fazia as coisas parecerem transparentes. São Paulo surgia como uma espada saindo do bucho de um contorcionista engolidor de coisas. Chegar por Guarulhos era a única forma de visualizar as margens da cidade. Até a próxima viagem ela estaria completamente enredada nos entre-nós centrais de uma cidade sem horizonte, impossível de transpassar.

Ao lado do colchão, atravessando a parede, Salomão roia seus cacos de milho e buscava uma conexão com alguém que pudesse lhe conseguir algo mais apetitoso que aquele grão seco com ferragem. Por isso aquele olhar de ratão dramático empenhava-se tanto em mirar Luiza.

(continua...)