segunda-feira, 31 de março de 2008
domingo, 30 de março de 2008
Balcão
O balcão de um bar é um dos melhores lugares para se estar. Existe algo de maduro em ficar encostado ali mamando. Talvez sejam as banquetas altas, inalcansáveis e perigosas para uma criança, mas alguma coisa me diz que isso tem mais a ver com postura de quem ali fica. São os cotovelos apoiados, os pés longe do chão (como se fosse uma criança) e, principalmente, a mobilidade rotacional, que permite a quem ali se instala uma gama de possibilidades sociais que vão muito além do que qualquer limitada "mesa de boteco". Quem senta num balcão não tem foco:
- Tem fogo?
O balcão é como um altar, bebe-se o salário pois não há nada de melhor a fazer com o dinheiro, seja quanto for. São créditos sociais sacrificados com euforia e isso é indispensavelmente necessário para viver. Cada garrafa na estante guarda anos de inteligência cultural destilada ou fermentada. Doses só podem ser negociadas de maneira justa para ambas as partes ali, no balcão:
- Completa! Por favor...
O balcão atende aos taciturnos, aos estrangeiros, aos estranhos, aos tímidos. Todos os tipos de drinks para todos os tipos de alcólatras. Cada um com seu estilo de vida, personalidade e atitude (atitude, cara!), requisitos sem os quais não se deve sentar num balcão. O balcão é a porta de uma conversa. Porta de entrada e porta de saída. À direita ou à esquerda, para o salão ou para o bar: tudo em volta não teria sentido se não houvesse balcão. Ninguém está sozinho - e nem quer ficar sozinho - quando se encosta no balcão de um bar. Nem mesmo um barman tomando um bourbon no final do expediente. Para ele o balcão é o limite entre trabalho e hedonismo. Quando vai beber, senta-se fora e isso tem razão de ser. Mesmo que ele odeie ser barman, isso nunca vai deixá-lo longe de um balcão. O balcão não tem nada a ver com isso:
- Última rodada!
O balcão é onde vícios e virtudes se confundem no discurso. O balcão é a esperança de esperar que algo aconteça, que alguém te conheça. O balcão é onde se fica à vontade para ser como você é, sem se importar com seu próprio humor. Afinal, o balcão é a casa dos humores, é lá que tudo pode mudar. O balcão parece um filme.
quarta-feira, 26 de março de 2008
quintal cerrado
Impregnada de poeira lúdica, passeei pela rua de tua antiga casa. Ainda que sob os mesmo alicerces e aparentemente imóvel, havia um quê de não-ser naquele cimento.
Pensei na vontade amarela que teve ela um dia. Suas paredes ficaram com um amarelo ensurdecedor de olhos. Quando ia te chamar pra brincar de elástico a avistava de longe e já dava arrepios. Parecia que a cor vibrava na gente. E corríamos pro sentido dela.
Então parei ali na frente com a poeira do corpo aumentada e senti, entre seus vários devires de tons, que o de agora, de crescidos que estão meus olhos, é o mais singelo.
A falta de cor no reboco me faz pensar no brilho que ela, a casa, não carrega mais. Mas ao invés de vê-la com o descaso do tempo na tinta velha nem-branca-nem-cinza vejo bem é um elogio sublime.
É que ela emprestou as linhas que a contornava e a destacava do horizonte, lá do fundo, para o contorcimento das árvores, que cresceram ali com a gente. É o quintal que contém o cerrado que nos criou. É o cerrado que agora salta aos meus olhos com a alegria de um marrom descascado que berra.
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*letras com meus dedos e os de Marcel Garcia.
terça-feira, 25 de março de 2008
domingo, 23 de março de 2008
sambando se goza desse mundo
e não aguento dois dias seguidos imersa nisso.
é muita explosão.
preciso postar isso agora, posso?
pode
sábado, 22 de março de 2008
Una vez, Goga me disse: Alguns dias doem mais que outros. Hoje foi um dia de recordações. Ao acordar, constatei a data santa. Imediatamente lembrei-me dos Cerrados e de quando comemos pastéis envenenados de carne na quaresma (D. Fochesatto delatou tal episódio em seus escritos) numa espelunca voltando da propriedade dos Botello. Era o último dia, o último suspiro da quaresma. Antes, vimos árvores de garrafas de cerveja, assassinamos um sapo (isso realmente ocorreu) colocando-o numa arapuca e arremessando uma pedra de dois quilos sobre sua cabeça. Lembrei-me de Pardal, e suas mãos que se encaixam nas de qualquer um que entenda os sânscritos de Dioi. Lembrei-me de Dioi. No fim do dia, tomei um bourbon sozinho, de frente do pro oceano. Não me senti pequeno, pelo contrário, me senti grande pra cacete. Porque eu senti, assim, de verdade mesmo, que carregava toda a fita, todo o lance, toda a vivaldice, todo o pixotismo exacerbado de todos com quem trombei nos últimos dias. Foram muitos, foram insanos, foram únicos, foram loucos de morder os próprios dentes, sem os dentes (como caldos de mocotó - sem mocotó).
-pausa-
Vallegrand,
o que me leva até você é o que me leva ao desmedido,
até a falcatrua nata da minha alma diante da sua
adiante.
o que me leva até você é o que me leva puro,
até a crua verdade. frio, cru, você nunca fica nu?
adiante
Vallegrand,
quando é cedo demais para nascermos de novo
quando você envelheceu
e eu nem pude fazê-lo.
minha palavra favorita que não me ensinaram na escola
queria dizer
o mesmo que eu,
e eram
folhas secas
adiante.
sexta-feira, 21 de março de 2008
quarta-feira, 19 de março de 2008
April
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
segunda-feira, 17 de março de 2008
Ah! O amor...
Nenhum homem
sabe o pior de uma mulher.
Nenhuma mulher
sabe o pior de um homem.
Só quero que me encantes
com teus grandes sonhos,
que teus medos eu espante
com gracejos risonhos.
Será o amor parecido?
Será p'ra sempre escondido?
De jeito por vezes estranho,
chegando de brilho tacanho
ou cegando fosse explodido?
Se meu íntimo te entende,
se teu ritmo me rende,
se tu expandes minha mente,
se tua presença me deixa quente,
o que será que sentes?
*desta vez a ilustra é nostra
A Fantasma Vermelha
Volta e meia ela aparece:
uma fantasma vermelha,
de lábios vermelhos...
Tocando violão,
me tocando,
dizendo que me ama,
me chamando p'ra viajar,
me apelidando com carinho,
lavando meus pés cansados,
despindo-se a dançar,
felando-me...
engolindo meu prazer.
Volta e meia aparece
uma fantasma vermelha
e eu sei porque ela morreu.
quarta-feira, 12 de março de 2008
papa-peixe
é a cara de cuyabá
e a previsão do tempo.
sombra pr'amarrar égua
e rimar co'água fresca
pppppppppor aqui
é + qu'expressão idiomática.
na próxima encarnação,
se deus quiser e eu continuar
pppppppppppppor estas bandas
hei de nascer martim-pescador.
*A ilustração é o próprio martim-pescador e o poema é dedicado à saudade que sabrina sente do nosso calor
sábado, 8 de março de 2008
Simples[cidade]
Atropelei um caminhão e quase morri de rir. Olhei por dentro do meio-fio e reconheci Van Gogh jogando cartas com Gauguin. Eles batucavam Bjork numa espécie de caixa de fósforos de acender incêndios. Recriavam a criação repetindo fonemas disfarços de cadeira de rodas enquanto eu procurava doação de café quente. Meia milha adiante, sangrando carne e tinta acrílica fez-se barulho do encontro entre céu e roubo. Cento e vinte dialetos depois, dividimos nossas manchas na mesma esquina, ressecando os lábios e esperando o ônibus. Daquele minuto até antes fomos asfalto preto e branco procurando cócegas no centro do sustenido.
quinta-feira, 6 de março de 2008
http://www.youtube.com/watch?v=ZViXPqZyUNc
Vermelho. Tudo o quê eu lembro com mais clareza, tudo que não ficou turvo nas minhas lembranças, é o vermelho. O vermelho intenso que eu podia ver nos ombros dela, no pescoço dela, nela. Era incrível como exalava perfeitamente a cor. A sensação era nítida como a de um perfume, e ela se misturava a atmosfera densa de fumaça e cantos escuros,numa amalgáma hipnótica. O olhar morto não lhe tirava a vida e volúpia,nem um pouco. Mas a distanciava de todos,principalmente de mim. Era como se ela fosse intocável, e estivesse muito, mas muito distânte, e ainda assim, próxima demais. Bebia angústia, não álcool. Dava para se perder ao tentar imaginar oquê estava pensando. Esperava por alguém? Ou tentava esquecer? Eu podia ter descoberto, se ela não tivesse levantado e saído, antes mesmo de terminar de beber aquela solidão toda. Antes mesmo que eu conseguisse chegar mais perto.