terça-feira, 29 de dezembro de 2009

teu cromossomo y

O que teu sorriso faz nesse rosto que não é teu? Me diz. Devias ter patenteado esse sorriso jovem que tu tens, de 28 dentes alvamente lisos - os sisos extraídos já, te dizendo adulto, o que és só em idade. Mas esse sorriso me invade o ônibus e sorrio-resposta como te faço. Para disfarçar o medo, peço a parada ao cobrador; pergunto as horas ao menino ao lado; me ofereço para segurar as frutas da senhora que me empurra com a coxa e me massacra com a sacola do Zaffari ainda cheirando a plástico novo. não, obrigada, ela diz com voz de receio que eu roube suas maçãs. seus frutos proibidos meticulosamente etiquetadis um a um para que em nada lembrem o pecado original. De repente acho que amo aquela mulher que sente repulsa por eu estar escrevendo em um ônibus; e a amo pelo único motivo que ela não carrega teu sorriso - não há sorriso algum naquele rosto pobre, surrado de vida, que deve manter na boca bem menos que teus 14 pares de dentes; a amo por saber que aqueles cabelos castanhos nunca serão como os teus: negros
negros
negros; que a pele castanha não será a tua, ainda alva de inverno; que o olho verde não será o teu, infinito profundo, buraco negro
(negro,
negro)
E a amo mais que tudo por não carregar teu sexo, teu cromossomo Y que sempre persegui; amo e sei que amo pelo simples fato de que quero carregar sua sacola repleta de maças e tomates e um provável mamão, para a digestão. Amo como a um menino órfão, por quem só sinto amor pelo fato de ignorar sua existência. Amo porque falta teu sorriso, e sem teu sorriso não haverá amor.