quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

.geografia da saudade.


Deixei as lembranças que nutro por ele sedimentarem no meu humilde riacho de memórias. A água estava turva no início, mas logo podia se distinguir o antes e o depois, sendo que o presente límpido refletia a todo momento um futuro menos tenso. De quando em vez eu jogava uma moeda no riacho pedindo qualquer cousa, só para ver a poeira sentimental se agitar um pouco. Só para dar aquela falta de ar angustiante, triste. Só para ter a impressão de ter visto um reflexo de algo que a gente perde e que, num relance, acha que encontrou.

Eu empurrava a minha vida com a barriga. Era um coma consciente e adrede sem poesia, uma queda. Deixava uma foto dele no altar das lembranças mais bonitas. Mas eu evitava olhar para seus olhos ou mesmo encarar o seu riso sincero e fácil. Era uma alegria lancinante, ingênua. Era como um prêmio recebido que, sem alternativas, era cultuado platonicamente por mim.

A água ficou turva de novo quando, por descuido ou instinto mal controlado, abri o baú no qual eu escondia alguns sentimentos, algumas palavras não ditas e dous ou três amplexos não sufocados. Suspirei, prendi a respiração o quanto pude para ver se o choro se engasgava, para ver se as lágrimas desaguavam numa outra represa. Meu istmo para com ele não mais estava submerso, e eu podia tão-simplesmente atravessá-lo – mesmo que sabendo das dores.

Meu filho. Agora a saudade emergia mais forte ainda. Cinco meses apenas sem ele. A água turva das minhas memórias era demasiado salgada para que eu simplesmente afundasse. Eu me afogo aos poucos, pois não há salva-vidas contra a maré da saudade.




*Imagem: mãos da Bonfim quando numa cachoeira na Chapada.

2 comentários:

Anônimo disse...

...um de meus escritores prediletos.

Sabrina disse...

...um de meus suspiros prediletos.