quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Suicidade - Lidiane Barros

Ela acordou com os passantes trombando no seu assento.(barulho de batidas de carro, freadas bruscas, gritos, sirenes). Acordou e não reconhecia a luz do dia daquele lugar. Olhou acima estava no 13B, corredor. Não sabia como estacionara ali, naquele ônibus de linha interior-capital falida. O cobrador, percebendo o buraco em seu chão, tratou de escavar ainda mais. Disse: "ele desceu no km 52". Mas, pensara ela: "ele quem?" Não tinha bolsa, não tinha um RG. Teria tido uma festa de 15 anos? (som de valsa). Se apalpou. Tinha peito voluptoso. Seria depois de uma cirurgia? O cobrador pediu que descesse. Queria ver até onde ia aquela falta de história... Ela tropeçou na escadaria do ônibus. Lá também tinha um buraco bateu com a cara num sapato, um scarpin vermelho. Ele a pisoteou. E saiu. Aquela pessoa só estava alí para pisá-la. Não disse nada, mas a humilhou. Depois disso, sentiu um tridente cortando lhe a pureza. Era escala pro inferno. Seu inferno particular. Sentiu um cheiro de perfume mediano. Podia ser o dele. Era lavanda. Como odiava lavanda agora. O homem com seu cheiro lhe abandonara rumo ao fim da linha. Talvez ele seria alguém lhe fazendo um favor, pra que ela recomeçasse uma vida nova. E um senhor que ia passando, cantava: "ele te queria para o mundo". Então, ela fez aquilo que o seu corpo lhe pediu. Se ofereceu numa esquina. Para os carros, mas eles a transpassavam. Seu corpo ficava turvo e evaporava. Nada ia ser mesmo fácil. Saiu andando ao relento de um sol cortante. Começava a lembrar... Lavava para-brisas de caminhões em posto beira-estrada e sujava a alma oferecendo um pacote maldito. A concorrência. Era ela que persuadia seus valores. Ficaram caros e imorais. Em um desses favores, pediu passagem pra lugar algum. Estava lá então. Bem lá perto da rodoviária, descobriu, tinha um viaduto bem alto que fazia corpos despencarem de uma distância bem grande e irem de encontro a carros em alta velocidade, sem tempo para pestanejar. Matavam mesmo. A sua sorte foi estar perto dele. Era tão sedentária, não aguentava andar muito. Caminhou um pouco, pulou. E a partir dai, pulou pra sempre, morreu sempre.
Você barbeira, você assassina. 


Silêncio




Lidiane Barros, 5h13 AM



domingo, 6 de fevereiro de 2011



bebi um copo de silêncio pra ganhar o gosto grosso de tua barba em minhas costas.

o dia em que contei sobre meu desespero você desejou o esquecimento, mas só o fiz por solidariedade

a mim.

nutria-me, o teu sofrimento.

bebia teu desejo cravando-te as unhas antes de tecer grandes fios de tédio.

pintamos uma quadrilha tão frouxa quanto o laço de meu vestido em tuas mãos.

estamos sós e m'esqueço aos poucos

que só retrato os amores que mato.