sábado, 15 de dezembro de 2007

A morte de Coquinho

Gatos são animais majestosos. Tenho gosto em apreciá-los com suas poses fotogênicas e flexibilidade plástica. Parecem saber de sua prodigiosa natureza e vivem a ‘brincar de esfinge’. Já perdi a conta de quantos criei. A opção de tê-los em casa sempre foi em comum acordo com meus familiares. Meus parentes felinos são como uma extensão familiar. Assim, a perda desses bichos de estimação, é dolorosa. Coquinho, por exemplo, entrou em minha casa há alguns anos. Já bem adulto. Surgiu no portão, chamei-o e ele veio se chegando com a docilidade dos siameses e seus olhos azuis. Não sei de onde veio. Apareceu e foi entrando. Ficando. Mostrando-se um bicho de boa índole sem radicalizar na questão da territorialidade. Impôs uma convivência perfeitamente pacífica com os outros felinos que já habitavam minha casa. “Será que é macho ou fêmea?”, indaguei-me quando chegou de mansinho. Olhei para suas partes recreativas e vi dois coquinhos. Ficou-lhe o nome na hora.
Já chegou velhão e já faz um ou dois anos que se torna cada vez mais ‘pepé’. Fica em locais estratégicos da casa como se fosse um bicho empalhado. Nem o pelo farto esconde mais sua magreza. Anda meio surdo e quando dorme, parece que treina para morrer. Às vezes deita-se próximo e de frente para a parede, como as crianças ficavam de castigo antigamente. Tenho dois bichinhos bakairi de madeira em casa – uma tartaruga e uma paca (ou filhote de anta, sei lá) – que de vez em quando coloco perto de Coquinho, só pra ele ter companhia. Coquinho, nos últimos dias, parecia se aproximar mais e mais do seu encontro marcado com a indesejada.
No último sábado a ressaca me obrigou a ir até a farmácia. Era um dia de neosaldina. Chego ao portão e, na calçada em frente de casa, lá está um belo siamês endurecendo a mercê das moscas. “Porra Coquinho, tinha que morrer justamente neste sábado de dor de cabeça?”, sentencio. Mas respeito os bichos de estimação e ritualizo a partida deles. Voltei até a cozinha e peguei um saco de lixo preto. Fúnebre. Acomodei Coquinho nele e torei para as cercanias do cerrado próximas ao meu periférico bairro. Numa quebrada, com o coração, além da cabeça, me doendo, deposito Coquinho e cubro-o com pedras. Nenhuma lágrima me sobrou. Só tristeza cinza. Cinza é também um pouco a cor dos siameses.
Onze e trinta da manhã. Solão na cachola, finalizo a breve e solitária cerimônia da viagem de Coquinho. Passo na farmácia, compro minha neosaldina e tomo com coca-cola. A dor de cabeça já vai passar, mas Coquinho continuará doendo na sua ausência mais um tempinho. Aviso a mulher da morte de Coquinho, o que lhe provoca uma interjeição muda de sofrimento. O filho acorda e deita-se na rede da varanda dos fundos. Também é informado que Coquinho já não está mais entre nós. Há um silêncio vazio na casa. Coquinho era gente boa, não enchia o saco de ninguém.
“Êeee pai,... mentiroso!”, diz o filho, sem motivo aparente. “Olha o Coquinho aqui”. E revejo Coquinho pescando pedacitos de ração no prato dos gatos. A tristeza recente foi-se embora e minha cabeça também já não dói.
Coquinho continua andando furtivamente pela casa, que nem um fantasma esquálido. ‘Pepé’ toda vida. Coquinho vai morrer, eu sei.

* Fotografia de Fátima Sonoda.

7 comentários:

Anônimo disse...

Sempre gosto de te ler.Bjo
Moema

Lorenzo Falcão disse...

Valeu 'brima'. E tem mais. Você não sabia, mas numa conversa que tivemos há dois ou três anos você reeducou minha memória da expressão 'pepé', da qual já não me lembrava, com a qual adjetivei Coquinho. Beijos do Loro

Anônimo disse...

Quando eu li pépé lembrei de tia Maria. O cOQUINHO AINDA VIVE?

mONICA

Anônimo disse...

li e achei engraçado. Para mim era um pouco dificil de entender, mas no final entendi. O filhop é o vitor? Até quinta...

Seu afilhado, lucas

Lorenzo Falcão disse...

Coquinho não morreu. Eu enterrei um siamês parecido com ele, que apareceu morto em frente de casa.

Beatriz Falcão disse...

quase matou do coração a mae do coquinho aqui

Sabrina disse...

tô pensando na morte do coquinho