Não sei se para economizar ou para acumular, mas gosto mesmo é de beber em copo abandonado. Desenhar a boca que deixou o resto de cerveja quente sobre a mesa. Imaginar as histórias que a garganta contava enquanto engolia gelado. Posso sentir a metáfora caindo-me goela abaixo. Com os dedos abençoando as unhas, fico tentando descobrir se a espuma seca sobre a borda era dor de traição de família ou de órfã prostituta comemorando formatura. O cheiro dos insetos, trazidos pela primavera, levaram-me, até lá. Eram besouros, abelhas, moscas, aranhas e libélulas intermináveis espalhando acidez e barulhinhos de papel manteiga, até a flor. Não era a primeira vez que as rosas pintavam minha retina naqueles dias quatro. Entrei no quarto e quase tropecei na bagunça abandono que pairava ali entre aquelas três camas figurativas. Usei assopro adormecido para limpar as asas secas que repousavam sobre o lençol amassado de tempo. Sentei-me na de número vontade e olhei para a caixinha de madeira que descansava sobre a mesa de cabeceira. Como quem promete e não cumpre, espalhei o segredo e a abri: mais uma espécie! Dessa vez, vestindo preto e branco. Colada sobre a parte interna da tampa. Escondia uma Honduras pintada à mão pingando, sobre fotos de infância. A invasão doeu-me os pêlos. Cocei o nariz para conferir se o velho das imagens poderia naquele momento abrandar minha pena. Mas só senti perfume do dia anterior. A partir daquele respiro era cronologicamente impossível alterar o astrológico dos tais insetos. Então, olhei para a janela e me enxerguei na cegueira madeira. Estava ali: branca, borrada, cócegas. Refletida em vidro sujo de areia. Brincando. Com as moedas, pedras e conchas que ele guardara separadamente em sacolas de plástico durante suas viagens com o circo. Compreendi num susto o que a jornalista portuguesa disse, sentada de costas para a floresta que gritava, sobre a indiferença que tem o viver do sobreviver.
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