Sempre que esqueço de tirar as lentes de contato pra dormir eles falam comigo. Dessa vez, vieram numa espécie de nave invisível. Racharam meu dente da frente em dois pedaços de simetria distorcida - no exato momento em que eu tentava entender o acontecido olhando fixo para o espelho embaçado de banho. Naquele instante sofri cada estalo que a rede de fissuras fazia no cálcio. No fundo, minha célula Maria previa que as adversidades que me submeti naqueles anos de casamento mais cedo ou mais tarde me fariam aperto. Comecei a entrevista olhando fixo para o caminhão estacionado na calçada. Ele tinha 23 anos, fugiu do diploma de advogado em Tókio e me contou que tinha dois irmãos e uma írmã. Gostava de filmes de comédia, estudou russo na Rússia, jogava um tal Handebol. O barulho era ruído e não consegui compreender sua opinião sobre a emancipação dos índios de Dakota. Nesse exato momento senti meus dedos dos pés acendendo e apagando. Saí para fumar o cigarro que tinha encontrado em cima da pia do banheiro daquela Whisky a Go Go vermelho-medo e outro bicho entrou na estória. Era o senhor do tempo e da rua. Me pediu um trago. Na hora de entregar o meio-fio de fogo, vi a sujeira em seu nariz e peguei a chave que ele trazia no bolso do casaco emprestada. Naquela noite tinha saído a pé só pra sentir o vento de inverno despedindo-se, despindo-me. Mesmo assim peguei a chave. Sabia que as moedas e o olhar pelo retrovisor da estrada não era uma piada para japonês ver. Que a música talvez não estivesse tão alta. Que talvez eu nao tenha acertado levantando a mão durante o culto. Okay. Enguli umas duas ou três lembranças e voltei pra casa. Invisível. Meia manhã depois, abri os olhos sobre a setença roxa do meu quarto. Escutei a risada do vento. Ao invés de ar dançando, vi lá fora uma árvore com quase primavera nos galhos dizendo preu voltar. Com ela.
Um comentário:
meio beatnik em monólogo interior, coisa de pantaneira desgarrada on the road
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